Laudes
Louvados aqueles que não se fecham, porque tudo acaba em si, e só a abertura permite a larva espreitar a borboleta.
Louvados os que procuram a luz lá fora, a noite dos saberes, a deflagração do coração.
Louvados os que a verdade acode, transbordando-os de ignorância, pequenos e felizes como a gota de chuva marítima.
(Meu deus, porque sois bom, tenho muita pena de vos ter ofendido. Ajuda-me a não tornar a pecar.)
Louvadas as lágrimas que limpam a dor, e a aumentaram.
Louvados os lobos que ganindo lamberam o medo, e o pastor que os amou. Louvados os anjos que acorreram à chamada.
Louvada a mãe que nos trouxe à terra, que por nós se descalçou e atravessou o vidro e o fogo.
Louvada a boca que sustém o vento, louvada a barca do seu canto, louvada.
Louvado o lixo que nos constrói, e a língua que o destrói.
Louvadas as estrelas da noite e os carris do cansaço. Louvadas as viagens sem caminhos, os brinquedos e as cerejas.
Louvada a morte que nos orienta, o sangue das baratas adormecidas nos prédios, louvada a morte.
Louvada a palavra que nunca ouvimos, louvado o pai dos nossos dias, o chão que não sabemos pisar.
Louvados o escaravelho, a âncora e o batel. Louvadas as asas daquele que esteve em fuga nos nossos passos, louvado o pão que nos sustém.
Louvada a tua mão na minha, meu amor, louvada onde de tudo me protejo.
Louvada a bonança que não exclui a tempestade, louvado o acolhimento do estranho no caminho.
Louvada a espera.
Louvado o acto.
Louvado Deus em tudo e para sempre, amen.
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