9 de julho de 2007

Laudes


Louvados aqueles que não se fecham, porque tudo acaba em si, e só a abertura permite a larva espreitar a borboleta.

Louvados os que procuram a luz lá fora, a noite dos saberes, a deflagração do coração.

Louvados os que a verdade acode, transbordando-os de ignorância, pequenos e felizes como a gota de chuva marítima.

(Meu deus, porque sois bom, tenho muita pena de vos ter ofendido. Ajuda-me a não tornar a pecar.)

Louvadas as lágrimas que limpam a dor, e a aumentaram.

Louvados os lobos que ganindo lamberam o medo, e o pastor que os amou. Louvados os anjos que acorreram à chamada.

Louvada a mãe que nos trouxe à terra, que por nós se descalçou e atravessou o vidro e o fogo.

Louvada a boca que sustém o vento, louvada a barca do seu canto, louvada.

Louvado o lixo que nos constrói, e a língua que o destrói.

Louvadas as estrelas da noite e os carris do cansaço. Louvadas as viagens sem caminhos, os brinquedos e as cerejas.

Louvada a morte que nos orienta, o sangue das baratas adormecidas nos prédios, louvada a morte.

Louvada a palavra que nunca ouvimos, louvado o pai dos nossos dias, o chão que não sabemos pisar.

Louvados o escaravelho, a âncora e o batel. Louvadas as asas daquele que esteve em fuga nos nossos passos, louvado o pão que nos sustém.

Louvada a tua mão na minha, meu amor, louvada onde de tudo me protejo.

Louvada a bonança que não exclui a tempestade, louvado o acolhimento do estranho no caminho.

Louvada a espera.

Louvado o acto.

Louvado Deus em tudo e para sempre, amen.

Sem comentários: