2 de março de 2009

Estações

Oh irmão divino que enfrentaste a palavra humana nos seus rechaçados juízos, que para ela olhaste nas suas boas e más vontades, essa confusão que a afasta da verdade, ensina-nos a simplicidade na justiça da vida funda, dá-nos a ironia e a ternura que abraça e desvela, liberta-nos da nossa prisão pior que a morte oh divino.

Oh irmão divino que afrontaste a escuridão humana com a luz do silêncio maior, que rechaçaste o rechaço da palavra que fecha e se nega, dá-nos a vida que não foge do medo mas o sustenta no terror vital, no amor criador que em tudo será vilipendiado, destroçado, aniquilado, e que mesmo no seu apagamento que escurece os céus possamos manter-nos na sua dor e lamento, na flor que dá ao fruto na sua própria morte, ensina-nos a entrega oh divino irmão que nos abraçaste até ao fim e ao fundo que todos rechaçamos.

Oh irmão divino, essa a força da tua queda, por nós e em nós para que contigo, para que contigo possamos até ao fim dos tempos, para que contigo sejamos na verdade de que fugimos em susto sem fim, os nossos infernos e terríficas cavernas visitas no teu próprio sangue e desfalecimento, amor nosso que desconhecemos, terramoto da vida que rasga os céus e ressuscita os mortos, entregaste o teu espírito para que nós oh divino, para que nós oh deus a ti próprio retornas para que nós sejamos.

Oh meu deus, salva-me da minha cegueira, deste fechamento atroz em que te nego ou à distância contemplo, na tua queda ergue-nos, na tua sentença de amor crucifica-nos, apazigua-nos oh irmão divino, aqui estamos em tua negação, clamando por ti na nossa própria cegueira e susto atroz, nós os que te cospem na face, os que dizemos na última hora não te conhecer, nós os que te desprezamos, os que trazemos o teu nome na boca e o orgulho no coração, nós os cobardes, os traidores, os vaidosos do templo, perdoa-nos oh irmão divino, perdoa-nos e salva-nos, salva-nos a tempo, salva-nos a teu tempo, não nos abandones, não nos deixe abandonar-te, nós os que te vimos cair e não nos movemos, nós os das falas vãs te pedimos: transfigura-nos para que nós oh divino, para que nós não mais te neguemos em nenhum átomo da nossa alma, para que nós contigo caíamos na nossa pequenez e no teu sangue floresçamos, na tua água renasçamos, e nos reergamos na tempestado do teu sopro oh coração infinito e rasgado no peso do mundo soçobra-nos no teu amor.

Por ti, em ti, contigo – assim seja oh nosso deus assim seja, para sempre e em tudo assim seja, assim seja até ao fim e ao fundo, assim seja até ao fim do mundo e nós.

Ámen.

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