.
.
Lá
fora a escuridão permanecia, naquela cidade sem luz, destruída desde o início
da guerra.
Aqui
e ali, o céu era cruzado por luzes brilhantes que nada tinham a ver com as
estrelas do céu, mas sim com o rasto de balas “tracejantes” disparadas a uma
velocidade assustadora.
Parecia
que naquela noite era ainda maior o número dos disparos, das luzes que rasgavam
o céu, do barulho ensurdecedor das granadas que explodiam numa cadência
infernal, mas que dada a rotina da guerra, já faziam parte da vida de cada um.
Numa
casa simples, toda marcada exterior e interiormente por marcas de rajadas de
balas disparadas por insistentes metralhadoras, uma pequena família, (os pais e
dois filhos), acotovelavam-se, agachados no chão de uma pequena sala, para
serem assim alvos menos expostos à insanidade daquela guerra.
No
meio deles, colocadas no chão, estavam algumas figuras moldadas em barro, nas
quais se podia distinguir, um recém-nascido deitado nuns bocaditos de palha,
uma figura feminina, outra masculina, e algo que fazia lembrar, vagamente, um
burro e uma vaca.
Olhavam
uns para os outros, e no seu olhar transparecia um medo, quase um terror, que
os irmanava e os fazia sentir ainda mais dependentes uns dos outros.
O
silêncio entre eles era avassalador, e o pai insistia mesmo nesse silêncio,
sobretudo quando na rua se ouviram passos pesados e apressados, que pararam
junto à porta de sua casa.
O
pai então olhando para todos, fez um gesto para darem as mãos, e sussurrando, o
mais baixo que lhes era possível, começaram a recitar o Pai Nosso.
Quase
se podia ouvir o silêncio, e, no entanto, dir-se-ia que aquela oração rezada
assim era uma melodia que enchia todo aquele espaço, se tornava numa luz
incompreensível que tudo transformava, e a verdade é que, quando se olharam nos
olhos, o seu olhar já não reflectia o medo, o terror, mas uma paz imensa, a paz
de quem sente que está protegido, e que, aconteça o que acontecer, essa
protecção é maior do que todo e qualquer mal que possa bater à porta.
Inclinaram-se
uns para os outros, e como num suspiro, murmuraram ao ouvido de cada um: Santo
Natal, na paz e no amor do Senhor Jesus, que se faz Homem como nós!
Nesse
momento a porta abriu-se com estrondo, e um homem alto, com umas barbas
hirsutas, um pano envolvendo a cabeça, um olhar de fogo e uma metralhadora nas
mãos, apareceu na soleira da casa.
Os
quatro, sem nada combinarem entre si, disseram ao mesmo tempo: Glória a Deus
nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade!
O
homem olhou, o olhar enterneceu-se num fugaz momento e, voltando-se para fora,
gritou fechando a porta: Não está ninguém. A casa está vazia. Os infiéis que
aqui viviam já fugiram!
Dentro
da casa, olhando para fora, toda aquela família parecia ver agora nos traços
das balas que rasgavam o céu, a estrela misteriosa que guia os homens ao
encontro do Salvador da Humanidade.
Marinha
Grande, 20 de Dezembro de 2014
Joaquim
Mexia Alves
Com este Conto de Natal quero desejar a todas as amigas e amigos, bem como a todos as/os que visitam esta página, um Santo Natal, na alegria do Deus que se fez Homem para nos salvar.
.
.